segunda-feira, junho 04, 2007

29 anos

Há três meses exatos eu estava pensando neste dia. Imaginando o que teria para contar, escrever. Estava livre da morte, por enquanto, livre das confusões mentais, por enquanto, livre para amar e ser amado pela mulher amada, parafraseando minhas próprias poesias. Mudanças? De casa, de estado civil não-oficial, de projeto musical, de rumo profissional, várias. Vontade de mudar mais? Muita. Possibilidade de mudar mais? Remota.

Mas há três meses eu me senti mal. Tive hemorragias e fiquei anêmico. Fiz exames. De repente, uma certeza ruiu. Somos frágeis, falíveis. Descobri um tumor no intestino, um bolo de células que se reproduziam desordenadamente, um caminho para ter um câncer aos trinta e um, trinta e dois anos. Um soco direto no meu queixo. Segundo os médicos e minha consciência, foi um golpe de sorte. Não descoberto o problema a tempo, seria muito pior. Mas foi algo que me fez repensar sobre o tempo que perco em minha curta vida com coisas pequenas, o tempo que gasto trabalhando em coisas que não me dão prazer, o tempo que estou perdendo adiando sonhos e projetos pessoais por medo, preguiça, falta de conversa, inércia, inanição. Pelo menos neste período eu plantei uma árvore.

Sou um poeta médio, um bom escritor, um músico fraco, um bom cantor. São as artes que me dão prazer. É este o mundo ao qual pertenço, mesmo insistindo em fugir do mesmo, fingir que não é comigo, pensar com a cabeça e não com o coração. Eu era um conquistador barato, mas depois de redescobrir o amor passei a nem me dar ao luxo deste prazer mundano. O amor... este me deu grandes alegrias. Mais até do que angústias, embora estas tenham sido uma constante na batalha que travei ao me dar o direito de seguir em frente. Passei por cima de valores, de vontades, do meu cérebro difícil, em prol de uma vida feliz. Feliz, sim.

Todos sabemos que o casamento não é um mar de rosas. Vou parafrasear agora uma música minha, quando disser que ao menos existem as margaridas. Há desavenças, diferenças, mas creio que isso seja o que nos fortalece. Já desisti de muitos amores por menos. Hoje me considero mais apto a persistir, insistir, tentar. Tentar de novo, de novo, de novo, mais uma vez (agora citando Tim Maia). Vale dizer aqui o quanto amo minha mulher, o quanto torço e luto para estar e permanecer com ela pelo resto de minha vida.

Foi um ano em que ganhei e perdi alguns bons amigos. Alguns mostraram ser menos amigos do que imaginava, me decepcionei com gente muito querida na minha vida, mas ao mesmo tempo ganhei outros que imagino que possam permanecer comigo até o fim. Ganhei uma nova família, estreitei meus laços com a minha, ampliando horizontes, sempre. É interessante notar que aqueles amigos de sempre, aqueles que podemos ficar distantes por anos que quando nos encontrarmos seremos exatamente iguais um com o outro, permanecem.

Bem, mas já que a morte me assustou de novo, voltei a pensar nela. E por pura coincidência, ontem mesmo, restando poucas horas para completar estes vinte e nove anos, assisti a um filme em que ela era a personagem principal. Ela mesma, a dama da noite, a fatal, a única certeza que temos na vida. Eu já sabia, mas relembrei, o peso da alma. Quando fui me preparar para dormir, olhei o relógio. Era o primeiro minuto do dia quatro de junho de dois mil e sete. E minha alma, meus vinte e um gramas, ainda estavam lá. Na minha cama, havia outros vinte e um gramas dormindo. Estes quarenta e dois gramas que deverão seguir juntos até que desencarnem e novamente se encontrem em um plano superior.

Agora, sigo com fé aos trinta.