terça-feira, junho 04, 2013

35 anos

"No momento que eu ia partir, eu resolvi voltar"*

Meia vida. Até porque será bem suficiente chegar aos setenta. Até porque sou junkie por natureza e por mais que eu tente, não consigo levar uma vida um pouco mais saudável. Até porque uso esse tipo de muletas em meus textos.

Não, nada de pessimismo. Nessas crônicas em que comento a vida, a morte é personagem sempre presente. Tentei fugir mas não teve jeito. Sempre bom tê-la na nossa bota para encarar os dilemas e escolher os caminhos. Então, me propus um pacto: chegando aos setenta, o resto é lucro. Depois disso, encaro meus medos, chuto o pau da barraca, faço tudo que não tive coragem de fazer.

Depois dos setenta eu pulo de paraquedas. Cheiro cocaína. Vou ficar na praia fazendo fiu-fiu para as garotas de biquíni. Bolinar as enfermeiras. Serão os melhores anos da minha vida. Se bobear vivo mais setenta e chego aos cento e quarenta.

"(vou voltar) Sei que não chegou a hora de ir embora é melhor ficar. (vou ficar) Sei que tem gente cantando, tem gente esperando, a hora de chegar"*

Já passei pela crise da meia idade. Se no ano passado eu finalmente aprendi a voar - mesmo com asas quebradas - este ano aprendi a ter os pés no chão sempre que necessário. Atingi meu equilíbrio pessoal. E surfo… as ondas que a vida me traz. Sempre há o risco de tomar um caldo, mas como disse, estou bem equilibrado. E quando caio, dou risada e levanto.

Outro dia eu caí. Feio. De novo. Na hora, a primeira reação foi sofrer, como eu estava acostumado sempre que levava rasteiras da vida. Mas então, logo em seguida, me deu um estalo e eu ri. Dei risada, alta, sozinho. Com gosto. Gargalhei. Porque era tudo, no fundo, uma piada. O que eu queria, o caminho que me levaria à felicidade, era risível. Não era eu. Não tinha absolutamente nada a ver comigo.

Machucou do mesmo jeito. Mas a prevenção foi melhor que o remédio. E eu estou bastante calejado e preparado, então é só trocar o curativo todos os dias, higienizar, medicar e seguir. A cicatriz é eterna, mas eu sou mais eu. Um dia, quem sabe aos setenta, eu conto com mais detalhes tudo que não posso contar agora.

"(vou chegar) Chego com as águas turvas, eu fiz tantas curvas, pra poder cantar"*

Afinal, quem somos nós para ditar os caminhos? Seja no ar, na terra, no mar? Somos impotentes em relação ao que a vida nos apresenta, mas estamos totalmente no controle de nossas escolhas. Quais rumos, dos que se apresentam, vamos seguir? Quais as conseqüências de nossas escolhas? A vida é um eterno vestibular. As vezes passamos de fase, mas de vez em quando, como no saudoso Jogo da Vida, temos que recuar algumas casas.

De repente, tropeço naquela letra, da única (espero não ser a última) música que gravei nesses últimos doze meses, que diz: "Naquele momento, só restava partir. Pra muito longe. Pois além do horizonte, ainda há muito mais por vir. Quem sabe um monge, logo atrás daquele monte, me ensinará um caminho a seguir".

Encarar a vida de frente com pés no chão era uma utopia até então. Eu jamais me permiti essa raiz. Sempre quis pular mais alto, sonhei mais do que a realidade me apresentou. Sempre fui além do razoável. E por isso estou mais que satisfeito com essa primeira "metade" da vida. Eu fiz mais do que imaginaria, fui mais feliz que qualquer um sonharia e, pesando todas as amarguras, nossa, valeu demais a pena.

"(vou ferver) Como que um vulcão em chamas, como a tua cama, que me faz tremer. (vou tremer) Como um chão de terremotos, como o amor remoto que eu não sei viver"*

Agora um irremediável adulto, porém com eterna mente jovem, prefiro, como Bowie, ser herói apenas por um dia. "Não somos nada, e nada vai nos ajudar (…) mas poderia ser mais seguro, apenas por um dia" (Heroes, David Bowie).

Incrível notar que essa segurança toda, agora, talvez seja ainda mais excitante que a vida ansiosa vivida até hoje. Autoconfiança a mil. Prazer no que faço por saber que tudo na minha vida eu escolhi a dedo. E o que acontece alheio às minhas escolhas, é encarado naturalmente. Natural viver. Natural morrer. Natural essas pequenas mortes que permeiam nossas vidas e em determinados momentos nos fazem desesperar. Mas que, em seguida nos fazem rir. Sério mesmo que eu sofri por isso?

"(vou viver) Vou poder contar meus filhos, caminhar nos trilhos, isso é pra valer. (vou subir) Pelo elevador dos fundos, que carrega o mundo, sem sequer sentir. (vou sentir) Que a minha dor no peito, que eu escondi direito, agora vai surgir. (vou surgir) Numa tempestade doida pra varrer as ruas, em que eu vou seguir. Que eu vou seguir. Eu vou seguir!"*

* (O Homem - Raul Seixas)