"I sat by the ocean
And drank a potion, babe
To erase you" (I sat by the ocean, QOTSA)
Ciclos se encerram, ou se reciclam. Ciclos viciosos precisam de corte, abrupto. Nada de rodar em falso, reviver os últimos invernos. Já era, já foi, acabou. Corta. Feito isso, bola pra frente, vida que seguiu. E começou o segundo tempo!
Fui cuidar das minhas crianças. Principalmente a minha bela, única, incrível, Manuela. Minha companheira de jornada, a pessoa com quem mais aprendo e que melhor me faz entender o que é relevante e o que não passa de vontades pueris. A menina que gosta de rock e jazz, como o pai. Que quer ser baterista, estilista e pizzaiola, quando crescer. Que me devolve o sorriso cada vez que me olha, a cada respiro, a cada levadeza. As crianças, essa molecada que nos sustenta, apesar de insistirmos em dizer o contrário. A seqüência de nossas histórias, nosso legado para a humanidade. Manuela nutre a mesma paixão por música que eu. É, por essas e por muitas outras, a cereja que faltava no meu bolo.
E foi um ano cheio de músicas. Enquanto todos aclamam o Random Access Memories do Daft Punk como disco do ano, que rendeu uma apresentação memorável do duo francês com Stevie Wonder, Pharrell Williams e Nile Rodgers no Grammy 2014, eu fico com Queens Of The Stone Age e seu "…Like Clockwork", lançado há exatamente um ano, dia quatro de junho de dois mil e treze, e definido por Elton John como "um dos melhores álbuns de rock alternativo de todos os tempos". Apesar da briga entre os dois álbuns ser acirrada - fazia tempo que não havia álbuns memoráveis que já nascem clássicos, quanto mais dois no mesmo ano - escolho o rock e as letras deste QOTSA, perfeitas para os últimos lances dessa vidinha que Deus me deu.
Foram profundas revisões, reencontros, acertos de contas e entendimento da trajetória até hoje. Ótimo para começar a acatar e providenciar a finitude. Viver é olhar para frente, mas sempre com as melhores lembranças e ensinamentos de tudo que nos trouxe até aqui. Trinta e seis anos. É daqui em diante.
"Most of what you see, my dear, is purely for show
Because not everything that goes around
Comes back around, you know?
Holding on too long is just a fear of letting go
Because not everything that goes around
Comes back around, you know?
One thing that is clear: It's all downhill from here" (Like Clockwork, QOTSA)
Tudo em excesso faz mal, inclusive amor. Muitas paixões e amores, duas ex-mulheres, cinco ex-namoradas, um sem-número de casos, e eu com o direito da escolha, uma falsa sensação de poder que me fez errar, seguidamente. Dou a cara pra bater, sabendo que todas se sentiram amadas intensamente enquanto durou, e eternamente até que a morte nos separe. Sou amigo de todas, nutro um carinho apaixonado por cada uma delas, cada qual por um peculiar motivo secreto, que só eu sei, e levarei comigo na bagagem. Agora me descubro, maduro, cansado de excessos, pronto para me reencontrar e viver novamente.
"Novamente me sentindo livre.
Muito livre no pensar e no arbítrio.
Muito livre para agir e prosseguir.
Muito livre para amar
e ser amado pela mulher amada.
Muito livre para esperar
até que ela se apresente.
Muito livre para começar
a planejar a vida da gente.
Novamente." (Fernando Mungioli - 10/09/2004)
Perdido no meio de tanta paixão, já havia deixado de enxergar quem sou realmente. Cortar um ciclo vicioso, como dito, aprender a voar com asas quebradas, retroceder dez casas no Jogo da Vida, mesmo que com o carrinho cheio de pinos representando os filhos, foi o ápice do auto-conhecimento nesses últimos anos. Agora, forte, sei quem sou e até onde posso ir.
"There are so many things that I don't understand
There's a world within me that I cannot explain
Many rooms to explore, but the doors look the same
I am lost, I can't even remember my name
I've been for some time
Looking for someone
I need to know now
Please, tell me who I am?" (Within, Daft Punk)
Me redescobri e agora me dou o direito de tentar. Foi difícil me soltar. Um coração empedrado, que aos poucos foi relaxando. Amando a si mesmo, compreendendo erros e acertos. Sendo transparente, embora me julguem misterioso. Enquanto for sincero comigo e com os próximos, sei que trilho o caminho certo.
De repente, vinda do nada e de lugar nenhum, uma alma enxerga em mim tudo que sou, antes mesmo de me conhecer, saber meu nome, ter certeza que eu existo. Hoje, meses depois, me presenteia com um cartão: "Aniversário é uma festa, para lembrar do que resta!". Minha vida foi incrível nesta primeira metade, e o segundo tempo está só começando. Mas me parece que o futuro que se desenha, "o que resta", pode ser diferente, um tanto mais promissor.
Antecipando, sem muita margem de erro, já elejo o próximo disco do ano. E com ele me despeço deste nono capítulo do meu exorcismo anual.
"When the music is done and all the lights are low
I will remember the time when love would really glow
I could dream ahead before my world turn blue
And the light inside would only shine for you" (Turn Blue, The Black Keys)