domingo, junho 12, 2016

38 anos

"Don't remember where I was, when I realized life was a game.
More seriously I took things, the harder the rules became"
(A tout le monde, Megadeth)

Não parece que foi ontem. De tanta coisa que acontece simultaneamente, tanto a fazer diariamente, descrevo esse último ano com uma semana de atraso, dentro de um avião, viajando para mais um compromisso profissional, em pleno sábado. A vida nunca esteve tão corrida.

Aos 38 anos geralmente estamos no nível máximo, no auge de atividades, diárias, constantes. Geralmente temos um ou mais filhos pequenos, um casamento já por volta de completar uma década ou, como no meu caso, estar no início do terceiro. O trabalho te consome, guardar dinheiro para a velhice é começar agora ou nunca mais. As exigências são 24/7. Você até pede arrego, mas não arrega. Adoraria estar numa ilha deserta, ou milionário, ou, tudo bem vai, ao menos ter 30 dias de férias por ano. 

O processo que já vinha percebendo há alguns anos se consolidou. Consigo me olhar no espelho e ver um tiozinho, apesar da alma jovem e de não largar jamais os hábitos de sempre. Sair, encontrar amigos, se entorpecer de risadas, voltar de madrugada, dormir pouco, ajuda tanto a manter a juventude como a apressar o envelhecimento. Mente sã, corpo não. 

"Everytime that I look in the mirror
All these lines in my face getting clearer
The past is gone 
I went by like dusk to dawn  
Isn't that the way?
Everybody got their dues in life to pay 
I know nobody knows
Where it comes and where it goes 
I know it's everybody sin
You got to lose to know how to win"
(Dream on, Aerosmith)

Logo no início deste ciclo recém passado, dos baques, o maior de todos. Como na música dos Arctic Monkeys, poderiam ter me avisado: "don't sit down causI moved your chair". Pela primeira vez duvidei de verdade de que fazer as coisas certas, ser correto com as pessoas que ama, é garantia de não quebrar a cara. Mas dado meu histórico de lutas, junto à maturidade que toda essa trajetória me trouxe, consegui respirar. Fundo. E seguir.

"You spurn my natural emotions,
Made me feel like dirt and i'm hurt.
If I start a commotion,
I run the risk of loosing you
And that's worst"
(Ever fallen in love, Buzzcocks)

Creio que seja o primeiro ano da minha meia vida em que mais perdi amigos do que fiz novos. Talvez a idade venha me trazendo um complexo movimento de mudança, no qual deixo um pouco a diplomacia de lado para exercitar certos sincericídios. A maturidade também nos mostra que por algumas coisas não vale a pena lutar. Que algumas pessoas perdem mesmo a sinergia contigo ao longo do tempo. E em momentos como o atual, de grande depressão econômica, polarização política e partidarização de sentimentos, esse é um processo natural.

O que não é natural, ou ao menos o difícil de aceitar é a perda de laços com pessoas que fizeram parte da sua vida desde sempre. Um processo doloroso, constante, uma quase morte que a frieza dos tempos nos faz minimizar, mas que sempre nos assombra. Mas o "quase", e não realmente "morte", mantém uma chama acesa e uma possibilidade de futuro.

Outro dia estava conversando com minha mulher sobre meu otimismo. Se eu posso mudar, por que não acreditar que os outros também possam? Ao me negar essa possibilidade, nem percebeu o quanto ela própria vem mudando para que nossa vida faça cada vez mais sentido. Em um esforço coletivo, tanto nosso como familiar, vamos colocando cada pingo no seu respectivo "i", num lento processo de estabilização.

Agora, fato que eu nasci com algum ponto do meu mapa astral configurado para a manutenção constante de surpresas desagradáveis, de mínimos fatos que se tornam gigantes, de ter que me acostumar com esse carma. É uma luta diária para entender que, na minha vida, estabilidade é apenas uma utopia. Os conflitos vêm e vão, constantemente. Ou me adapto, ou fujo. Mas fugir dos que amo não está em meus planos.

"Everyone has been burned before 
Everybody knows the pain"
(The only one I know, The Charlatans)

Às vezes eu queria ser menos civilizado. Tocar um foda-se e sumir por uns dias. Pagar de Michael Douglas em um dia de fúria. Encarnar um Lou Reed e dar uma volta no lado selvagem. Responder uma agressão com outra pior. Mas não faz parte da minha alma. Esse ponto não foi contemplado no meu mapa astral, o carma é justamente suportar e buscar passar para as pessoas ao meu redor que tudo é possível, que a boa vontade sempre pode vencer, mas que as vezes é importante engolir um sapo para poder arrotar flores mais adiante.

Tão complicado quanto tomar porrada sem revidar, é doar sem receber. Minha filha, do alto de seus quase sete anos, outro dia disse uma frase que ficou em minha cabeça: "Carinho é a coisa mais suave que se pode fazer no corpo". Ocasionalmente sinto falta dessa suavidade, de ser aquele que é cuidado, deixar de ser sempre o que cuida. Um carinho, um colo, às vezes cai bem. Difícil obter isso quando me posiciono como arrimo, como o forte, o que tudo suporta. Mas sinto agora ter essa contrapartida mais próxima, em minha nova vida, em nossa nova casa. Eu chego lá.

"When your day is long, and the night .. The night is yours alone.
If you're sure you've had enough of this life... Well hang on.
Don't let yourself go, 'cause everybody cries and everybody hurts, sometimes"
(Everybody Hurts, R.E.M)

Mudanças são bem vindas, e nesse ano mudei muito. Fisicamente, saí de uma casa que morava eu, eu mesmo, e Manuela. Agora viramos uma verdadeira família buscapé. Relacionar-se diariamente com outros, pessoas com idades, trajetórias e experiências distintas, imprimir um novo conceito de vida, é realizar uma verdadeira mudança mental e manter um debate interno constante entre o que realmente é imprescindível e o que é perfeitamente adaptável. Enxergar nas pessoas ao meu redor essa capacidade de adaptação é lindo, gratificante.
Nesses últimos dias, na semana de meu aniversário, uma leveza tomou conta de meu corpo e mente. Muitas coisas emperradas começaram a dar certo. Pude me sentir um pouco mais acolhido, menos sozinho. Parece, enfim, que passei por um inferno astral nos últimos 10 anos. Ao reler meus textos passados percebo que tudo foi um aprendizado. Que os frutos estão aí. Principalmente ela, Luciana, minha mulher. Que me faz aprender a cada dia, o verdadeiro valor do amor. Passar anos buscando um ideal me trouxe até aqui, para um amor perfeito de tão imperfeito. Dois indivíduos com tanto em comum e tantas diferenças. Com tanta bagagem e com muitos dissabores passados. Encontramos um no outro a oportunidade de corrigir erros, de amar profundamente, e fazer, juntos, absolutamente tudo que quisermos. A liberdade está na cumplicidade.

"Perdi a hora de voltar para o trabalho. Voltei pra casa e disse adeus pra tudo que conquistei, mil coisas eu deixei, só pra te falar

Largo tudo, se a gente se casar domingo, na praia, no sol no mar
Ou num navio a navegar, um avião a decolar
Indo sem data pra voltar, toda de branco no altar

Quem vai sorrir? Quem vai chorar?
Ave Maria sei que há uma história pra sonhar. Pra sonhar"
(Pra sonhar, Marcelo Jeneci)

Daqui a um ano iremos nos casar. Em meus três casamentos, incluindo esse atual, não houve cerimônia. Embora para mim o fato de estabelecer uma vida conjunta e dividir um teto seja efetivamente um casamento, nunca tive a experiência de passar pelo rito, de reunir família e amigos para um momento de passagem, que todos levarão na memória, e que sim, fortalece o compromisso. Minha alma gêmea de gêmeos com gêmeos irá entrar, minha pedra preciosa irá trazer as alianças, e exatamente um dia antes de escrever o próximo texto desse anuário, irei ter todos que fazem parte dessas linhas juntos, ao meu redor. É ou não um privilégio?

O melhor de mim ainda é conseguir seguir o fluxo da vida, com um sorriso no rosto, encarar o futuro de frente, deixando para trás tudo que trouxer dor.

I want something good to die for
To make it beautiful to live (...)
I can go, with the flow...
(Go with the flow, Queens of the Stone Age)






sexta-feira, junho 12, 2015

37 anos

“Who wants to live forever?
 Forever is our today
 Who waits forever anyway?” (Who wants to live forever - Queen)

Não morri aos vinte e sete anos, nem aos vinte e oito, ou depois. Passada uma década, ao ler essas páginas, revejo um cara ansioso, que começou a escrever esses textos na pretensiosa intenção de ser útil, além de terapêutico, e tenho simpatia enorme por tudo que ele passou até se tornar eu.

Olhar para trás hoje e reencontrar esse período me traz um certo alívio, por ter passado por tantas oscilações na montanha russa da vida e estar aqui, meio tonto, mas em pé. A sensação de ter nadado em tantos mares revoltos para chegar nesse ponto, é recompensadora.

Mais uma perda me transferiu novamente a carga de me sentir privilegiado, por poder continuar. Mais um grande amigo se vai e eu fico aqui para contar. E choro. Choro meus mortos e choro minha própria morte por saber como é difícil para quem fica. Antes, meu maior medo era morrer sem realizar nada. Hoje o medo é pelo sentimento de perda que deixaria entre os meus. Com medo, mas menos pavor, quero viver até o último sopro.

Com todos os contratempos e perdas, o maior legado é aprender a aproveitar o que temos. Ser feliz com a vida, com a consciência de ser. Livres para simplesmente existirmos, podemos sair perambulando e esperando que a nossa história se apresente.

“Ramble on... and now's the time, the time is now, to sing my song
I'm going around the world, I got to find my girl, on my way
I've been this way ten years to the day..
Ramble on.. gotta find the queen of all my dreams” (Ramble On - Led Zeppelin)

Dez anos foram suficientes para entender os erros e os acertos, compreender a finitude e lidar com ela. Os vinte e sete anos, no mundo contemporâneo, são de certa forma um divisor de águas entre a juventude e a vida adulta. A partir de agora, aos trinta e sete, sinto que seja hora de aproveitar a maturidade obtida a tão duras penas. 

Um ano é período suficiente para podermos alternar bons e maus momentos, iniciar e terminar histórias, sentir amor e ódio, ver as crianças crescerem em ritmo que já não estamos mais acostumados, pois pouco se muda na vida adulta além dos cabelos que caem, da pele que desce, as rugas que se sobressaem. É o bastante para separarmos o nocivo do enriquecedor, para percebermos quem tem o coração aberto para você e quem não se encaixa mais.

Com mil erros se pode chegar a um acerto. Eu, com mil acertos que, por meninices, desventuras, dissabores e aventuras deram errado, encontrei o ponto certo para me sentir completo. E sozinho, senhor de mim, pude esperar o destino, desisti de escolher, idealizar, para me deixar ser visto, contemplado, escolhido.

“I… I was standing

You were there

Two worlds collided

And they could never tear us apart

We could live

For a thousand years

But if I hurt you

I'd make wine from your tears

I told you

That we could fly

'Cause we all have wings

But some of us don't know why” (Never Tear Us Apart - INXS)

Primeiro, ela me descobriu. Eu nem a vi. Depois, me espreitou. Eu mal percebi. Do nada, me procurou. Eu não sabia quem era. Santa curiosidade que me fez querer saber e, hoje, ao completar um ano ao lado dela, sei que pelo resto da vida a estarei conhecendo, e ela a mim. Além de nossos filhos, o que mais pode traduzir a eternidade senão a cumplicidade do amor? Qual pode ser a maior expressão do amor verdadeiro senão a compreensão e o otimismo?

Alguns simplesmente não sabem voar. Outros, como eu, aprendem a voar com asas quebradas. Ela tem medo de voar tão alto, como já tive. Com tudo que aprendi, estou aqui para ensiná-la. E vamos voar juntos, sem o medo de cair, com a ciência de saber corrigir a rota sempre que possível.

“Amanhã tudo pode acontecer

Hoje a nossa vida é pequena

Amanhã tudo pode anoitecer

Se você vem comigo

Eu não choro mais...
O que eu quero dizer

O teu sorriso atrai

Entre as coisas mais lindas

Você me dá prazer

Você me dá cartaz

Se você vem comigo

Eu não choro mais…” (Cartaz - Fagner)

No fundo, o que queremos da vida é companhia para atravessá-la. Teremos sorte se conseguirmos angariar os melhores para seguirmos adiante. O fundamental, mesmo, já disse Tom Jobim, é o amor. Aqueles que ousam amar de verdade, na tempestade e na bonança, sairão vencedores desse jogo em que só há uma vida a perder, ou melhor, a aproveitar.

“Who dares to love forever?”


quarta-feira, junho 04, 2014

36 anos

"I sat by the ocean
And drank a potion, babe
To erase you" (I sat by the ocean, QOTSA)

Ciclos se encerram, ou se reciclam. Ciclos viciosos precisam de corte, abrupto. Nada de rodar em falso, reviver os últimos invernos. Já era, já foi, acabou. Corta. Feito isso, bola pra frente, vida que seguiu. E começou o segundo tempo!

Fui cuidar das minhas crianças. Principalmente a minha bela, única, incrível, Manuela. Minha companheira de jornada, a pessoa com quem mais aprendo e que melhor me faz entender o que é relevante e o que não passa de vontades pueris. A menina que gosta de rock e jazz, como o pai. Que quer ser baterista, estilista e pizzaiola, quando crescer. Que me devolve o sorriso cada vez que me olha, a cada respiro, a cada levadeza. As crianças, essa molecada que nos sustenta, apesar de insistirmos em dizer o contrário. A seqüência de nossas histórias, nosso legado para a humanidade. Manuela nutre a mesma paixão por música que eu. É, por essas e por muitas outras, a cereja que faltava no meu bolo.

E foi um ano cheio de músicas. Enquanto todos aclamam o Random Access Memories do Daft Punk como disco do ano, que rendeu uma apresentação memorável do duo francês com Stevie Wonder, Pharrell Williams e Nile Rodgers no Grammy 2014, eu fico com Queens Of The Stone Age e seu "…Like Clockwork", lançado há exatamente um ano, dia quatro de junho de dois mil e treze, e definido por Elton John como "um dos melhores álbuns de rock alternativo de todos os tempos". Apesar da briga entre os dois álbuns ser acirrada - fazia tempo que não havia álbuns memoráveis que já nascem clássicos, quanto mais dois no mesmo ano - escolho o rock e as letras deste QOTSA, perfeitas para os últimos lances dessa vidinha que Deus me deu.

Foram profundas revisões, reencontros, acertos de contas e entendimento da trajetória até hoje. Ótimo para começar a acatar e providenciar a finitude. Viver é olhar para frente, mas sempre com as melhores lembranças e ensinamentos de tudo que nos trouxe até aqui. Trinta e seis anos. É daqui em diante.

"Most of what you see, my dear, is purely for show
Because not everything that goes around
Comes back around, you know?
Holding on too long is just a fear of letting go
Because not everything that goes around
Comes back around, you know?
One thing that is clear: It's all downhill from here" (Like Clockwork, QOTSA)

Tudo em excesso faz mal, inclusive amor. Muitas paixões e amores, duas ex-mulheres, cinco ex-namoradas, um sem-número de casos, e eu com o direito da escolha, uma falsa sensação de poder que me fez errar, seguidamente. Dou a cara pra bater, sabendo que todas se sentiram amadas intensamente enquanto durou, e eternamente até que a morte nos separe. Sou amigo de todas, nutro um carinho apaixonado por cada uma delas, cada qual por um peculiar motivo secreto, que só eu sei, e levarei comigo na bagagem. Agora me descubro, maduro, cansado de excessos, pronto para me reencontrar e viver novamente.

"Novamente me sentindo livre.
Muito livre no pensar e no arbítrio.
Muito livre para agir e prosseguir.

Muito livre para amar
e ser amado pela mulher amada.

Muito livre para esperar
até que ela se apresente.

Muito livre para começar
a planejar a vida da gente.
Novamente."  (Fernando Mungioli - 10/09/2004)

Perdido no meio de tanta paixão, já havia deixado de enxergar quem sou realmente. Cortar um ciclo vicioso, como dito, aprender a voar com asas quebradas, retroceder dez casas no Jogo da Vida, mesmo que com o carrinho cheio de pinos representando os filhos, foi o ápice do auto-conhecimento nesses últimos anos. Agora, forte, sei quem sou e até onde posso ir.

"There are so many things that I don't understand

There's a world within me that I cannot explain

Many rooms to explore, but the doors look the same

I am lost, I can't even remember my name

I've been for some time

Looking for someone

I need to know now

Please, tell me who I am?" (Within, Daft Punk)

Me redescobri e agora me dou o direito de tentar. Foi difícil me soltar. Um coração empedrado, que aos poucos foi relaxando. Amando a si mesmo, compreendendo erros e acertos. Sendo transparente, embora me julguem misterioso. Enquanto for sincero comigo e com os próximos, sei que trilho o caminho certo.

De repente, vinda do nada e de lugar nenhum, uma alma enxerga em mim tudo que sou, antes mesmo de me conhecer, saber meu nome, ter certeza que eu existo. Hoje, meses depois, me presenteia com um cartão: "Aniversário é uma festa, para lembrar do que resta!". Minha vida foi incrível nesta primeira metade, e o segundo tempo está só começando. Mas me parece que o futuro que se desenha, "o que resta", pode ser diferente, um tanto mais promissor.

Antecipando, sem muita margem de erro, já elejo o próximo disco do ano. E com ele me despeço deste nono capítulo do meu exorcismo anual.

"When the music is done and all the lights are low
I will remember the time when love would really glow
I could dream ahead before my world turn blue
And the light inside would only shine for you" (Turn Blue, The Black Keys)





terça-feira, junho 04, 2013

35 anos

"No momento que eu ia partir, eu resolvi voltar"*

Meia vida. Até porque será bem suficiente chegar aos setenta. Até porque sou junkie por natureza e por mais que eu tente, não consigo levar uma vida um pouco mais saudável. Até porque uso esse tipo de muletas em meus textos.

Não, nada de pessimismo. Nessas crônicas em que comento a vida, a morte é personagem sempre presente. Tentei fugir mas não teve jeito. Sempre bom tê-la na nossa bota para encarar os dilemas e escolher os caminhos. Então, me propus um pacto: chegando aos setenta, o resto é lucro. Depois disso, encaro meus medos, chuto o pau da barraca, faço tudo que não tive coragem de fazer.

Depois dos setenta eu pulo de paraquedas. Cheiro cocaína. Vou ficar na praia fazendo fiu-fiu para as garotas de biquíni. Bolinar as enfermeiras. Serão os melhores anos da minha vida. Se bobear vivo mais setenta e chego aos cento e quarenta.

"(vou voltar) Sei que não chegou a hora de ir embora é melhor ficar. (vou ficar) Sei que tem gente cantando, tem gente esperando, a hora de chegar"*

Já passei pela crise da meia idade. Se no ano passado eu finalmente aprendi a voar - mesmo com asas quebradas - este ano aprendi a ter os pés no chão sempre que necessário. Atingi meu equilíbrio pessoal. E surfo… as ondas que a vida me traz. Sempre há o risco de tomar um caldo, mas como disse, estou bem equilibrado. E quando caio, dou risada e levanto.

Outro dia eu caí. Feio. De novo. Na hora, a primeira reação foi sofrer, como eu estava acostumado sempre que levava rasteiras da vida. Mas então, logo em seguida, me deu um estalo e eu ri. Dei risada, alta, sozinho. Com gosto. Gargalhei. Porque era tudo, no fundo, uma piada. O que eu queria, o caminho que me levaria à felicidade, era risível. Não era eu. Não tinha absolutamente nada a ver comigo.

Machucou do mesmo jeito. Mas a prevenção foi melhor que o remédio. E eu estou bastante calejado e preparado, então é só trocar o curativo todos os dias, higienizar, medicar e seguir. A cicatriz é eterna, mas eu sou mais eu. Um dia, quem sabe aos setenta, eu conto com mais detalhes tudo que não posso contar agora.

"(vou chegar) Chego com as águas turvas, eu fiz tantas curvas, pra poder cantar"*

Afinal, quem somos nós para ditar os caminhos? Seja no ar, na terra, no mar? Somos impotentes em relação ao que a vida nos apresenta, mas estamos totalmente no controle de nossas escolhas. Quais rumos, dos que se apresentam, vamos seguir? Quais as conseqüências de nossas escolhas? A vida é um eterno vestibular. As vezes passamos de fase, mas de vez em quando, como no saudoso Jogo da Vida, temos que recuar algumas casas.

De repente, tropeço naquela letra, da única (espero não ser a última) música que gravei nesses últimos doze meses, que diz: "Naquele momento, só restava partir. Pra muito longe. Pois além do horizonte, ainda há muito mais por vir. Quem sabe um monge, logo atrás daquele monte, me ensinará um caminho a seguir".

Encarar a vida de frente com pés no chão era uma utopia até então. Eu jamais me permiti essa raiz. Sempre quis pular mais alto, sonhei mais do que a realidade me apresentou. Sempre fui além do razoável. E por isso estou mais que satisfeito com essa primeira "metade" da vida. Eu fiz mais do que imaginaria, fui mais feliz que qualquer um sonharia e, pesando todas as amarguras, nossa, valeu demais a pena.

"(vou ferver) Como que um vulcão em chamas, como a tua cama, que me faz tremer. (vou tremer) Como um chão de terremotos, como o amor remoto que eu não sei viver"*

Agora um irremediável adulto, porém com eterna mente jovem, prefiro, como Bowie, ser herói apenas por um dia. "Não somos nada, e nada vai nos ajudar (…) mas poderia ser mais seguro, apenas por um dia" (Heroes, David Bowie).

Incrível notar que essa segurança toda, agora, talvez seja ainda mais excitante que a vida ansiosa vivida até hoje. Autoconfiança a mil. Prazer no que faço por saber que tudo na minha vida eu escolhi a dedo. E o que acontece alheio às minhas escolhas, é encarado naturalmente. Natural viver. Natural morrer. Natural essas pequenas mortes que permeiam nossas vidas e em determinados momentos nos fazem desesperar. Mas que, em seguida nos fazem rir. Sério mesmo que eu sofri por isso?

"(vou viver) Vou poder contar meus filhos, caminhar nos trilhos, isso é pra valer. (vou subir) Pelo elevador dos fundos, que carrega o mundo, sem sequer sentir. (vou sentir) Que a minha dor no peito, que eu escondi direito, agora vai surgir. (vou surgir) Numa tempestade doida pra varrer as ruas, em que eu vou seguir. Que eu vou seguir. Eu vou seguir!"*

* (O Homem - Raul Seixas)

terça-feira, junho 05, 2012

34 anos

"É o fim hoje
O calor se foi
O tempo se foi

F para falso
Não sinto erro
Não escondo erro (...)

(...) Nestes dias
Sou uma pedra respirando
Choro sozinho
Eu vencerei esta corrida
Eu sairei sozinho
Chegarei sozinho."
('Stripsearch', Faith no More)

Depressão é excesso de passado. Ansiedade, excesso de futuro. O presente é a chave para a sanidade.

Se nessa idade, por um lado, já estamos realizados em diversos aspectos da vida, por outro lado já estamos em uma fase de sentir uma estranha saudade daquilo que poderia ter sido diferente.

Talvez estejam curiosos para saber se eu consegui parar de sonhar. A resposta é não, ao menos neste último ano. Mas estou me esforçando.

Um dos problemas destas linhas que escrevo todos os anos, desde meus 27, é que às vezes uma história que aconteça nesse intervalo de tempo pode acabar sem ter o devido valor reconhecido, no resumo da vida que me propus a escrever.

Uma semana depois de meu último aniversário, aquilo que havia recém terminado, se reacendeu. A dor se foi e a esperança voltou. E foi lindo. Intenso. Viagens, lugares, sensações, planos... sonhos, enfim. Vivi o amor pleno durante um bom tempo, e pelas ciladas da vida e do destino, nos perdemos novamente, apenas há poucos dias. Um final, na prática. Pois no sentimento, para mim, nunca acabará. Então, tem como parar de sonhar, quando a vida nos concede pequenos sonhos, mesmo que em pílulas?

Ao mesmo tempo, o tal renascimento prometido veio, no auge da crise de meia idade. Não mudei de vida, não tive nenhum divisor de águas. Mas creio que com todas as patadas que tomei até hoje, consegui enxergar além, e ao mesmo tempo me interiorizar. A minha vida, durante 33 anos, sempre foi pautada numa enorme expectativa em relação aos outros. A solução para a felicidade, plenitude, sempre esteve calçada em amores, familia, amigos, pessoas. E o amor, seja qual for, nem sempre supera barreiras. 

Descobri, tardiamente, que minha felicidade depende só de mim, e que se basear minhas ações nas expectativas que tenho em relação à uma esposa, namorada, pais, irmãos, amigos, as chances de quebrar a cara serão sempre enormes. Isso tem um motivo muito claro de ser: as individualidades são intransponíveis. Ninguém fará do jeito que você sonhou, a não ser nos raros momentos cósmicos e espirituais em que duas pessoas desejam e agem exatamente da mesma forma. Utópico, não?

Eu sempre fui. E agora consegui deixar de ser. A vida continuará a acontecer, e passou da hora de eu ter como lema um dos conselhos que mais dei às pessoas nessa vida, mas que nunca consegui cumprir: "Nunca se decepcione com as pessoas. Decepcione-se consigo mesmo, por ter criado expectativas sobre elas".

Posso estar enganado, pode soar meio dramático, mas juro: a vida é bem mais plena dessa forma. Eu, comigo mesmo.

E minha única preocupação, a única pessoa a quem devo me doar hoje em dia, chama-se Manuela, minha filha, meu motivo, minha certeza de que não, não estamos nem ficaremos sozinhos nessa.

"Onde está o ritual?
E me diga onde está o gosto?
Onde está o sacrifício?
E me diga onde está a fé?

Onde está a caverna?
Para onde foi a sábia mulher?
E me diga onde..
Onde está todo o dinheiro que gastei.

Eu proponho um brinde ao meu auto-controle.
Você o vê, rastejando pelo chão.

Um dia existirá a cura para a dor..
E neste dia eu jogarei meus remedios fora."
('Cure for Pain', Morphine)

Algo de bom daí sairá. Consigo hoje, aos 34, o limite de idade para qualquer pós adolescente, focar o lado profissional, alheio à vida pessoal. Isso, para mim, já é uma grande vitória.

Somos de uma geração pensante, porém errante. Fomos engolidos pelo capitalismo, são poucos os meus amigos que realmente se dedicam de corpo e alma por uma causa pessoal, sem pensar nos fins que justificariam os meios, e esses eu aplaudo a cada passo conquistado.

Eu inverti a lógica, gastei todo o dinheiro que ganhei, e não foi pouco, nos últimos 10 anos, sendo romântico. Agindo na expectativa da arte, do bem coletivo, ou por simplesmente fazer as pessoas felizes. Como diz a música do Sly, "I could get out a pocket for fun" ("If you want me to stay", Sly and The Family Stone). A idéia agora é ser mais pragmático, e construir novamente o que deixei ruir interna e externamente.

Até porque tenho uma porrada de grandes pessoas ao meu redor. Gente da melhor espécie, da melhor qualidade, que me trouxeram uma centena de boas energias nesse dia, e que me fazem acreditar cada vez mais na vida, como ela é. Muito boa.

E foram esses, junto à minha família, que me ensinaram finalmente a voar.

"Pássaro Negro que cantas no morrer da noite
Pegue estas asas quebradas e aprenda a voar
A vida toda
Você só estava esperando este momento para decolar.

Pássaro Negro cantando no morrer da noite
Pegue estes olhos fundos e aprenda a enxergar
A vida toda
Você só estava esperando este momento para ser livre.

Pássaro Negro, voe. Pássaro Negro, voe
Para o clarão da escura noite."
(Blackbird, The Beatles)

33 anos
32 anos
31 anos
30 anos
29 anos
28 anos
27 anos

sexta-feira, junho 03, 2011

33 anos

"Quem aqui, como eu, tem a idade de Cristo, quando morreu?"

Confesso que sempre quis poder cantar essa música de boca cheia.

Trinta e três anos, idade de renascimento, redenção... será? Se nem posso mais tocar a balada do amor inabalável, pois hoje sei que o amor, mesmo o mais forte, se abala sim, como qualquer estrutura? "Na confusão do dia a dia, na dor de qualquer coisa", meu último ano foi ambíguo como eu sou, dramático como estou, com ápices de tristeza e felicidade, regados a trilhas sonoras marcantes, começando por "The Gentle Art of Making Enemies" (a gentil arte de fazer inimigos, Faith no More) e atingindo seu momento mais glorioso com "Your Song" (a mais bela canção de amor, seja na versão do Elton John, ou na do Billy Paul).

Mas a música-tema do ano deveria ser "Love Rollercoaster", do Red Hot Chili Peppers: "Tudo é justo no campo da justiça. O amor vem devagar, o amor vai rápido. Montanha Russa do amor - dizer o quê?". E dá-lhe sofrimento.

Nem minha teimosia foi arma, dessa vez. Por isso está resolvido, a trilha sonora do ano vai para "Just a Man", novamente eles, a banda que ensina pelo nome, Faith no More.

Os deuses do rádio ainda me fulminam com músicas que, dentro da minha mente supersticiosa, dizem muito. A grande virada sempre vem quando ligo o som e toca "Lucky Man" do The Verve, e sempre dá alguma merda quando toca "The Day", da obscura banda The The. Mas ao que parece não sou esse "homem de sorte", e o "dia em que minha vida certamente mudará" ainda não chegou.

Como os parcos leitores destes rascunhos sobre a vida podem perceber, os últimos três anos foram muito complicados. A vida nos desafia, as decisões que tomamos se tornam eternas, a difícil convivência humana nos torna frágeis e, por vezes, viver se torna um inferno. A complicada arte de seguir em frente.

No meio do inferno, na pior fase pessoal e profissional - esta última ainda envolvendo família e ideologia -, uma luz. Todos sabem que alio cem porcento da felicidade ao amor. Alguns podem imaginar que sou volúvel, afinal desde os vinte e sete anos foram seis textos, e quatro casos. Todos diferentes, todos com seus motivos e nuances. Mas não há nada que me impeça dizer com todas as letras: o último foi o mais intenso. Sentir o que estou sentindo agora, essa angústia da perda, esse choro incontido e constante, só pode significar que realmente amei de verdade. E sofro, pois ainda amo.

Calejado que estava, fiz tudo diferente. Me dediquei de corpo e alma ao meu IDEAL, essa palavra que definiu o encaixe perfeito, os gostos parecidos, até mesmo as diferenças que nunca foram impeditivas. Esse amor... que começou manso, seguiu lento como deveria e foi descoberto aos poucos, até tomar toda minha alma e enchê-la de felicidade, fé e esperança... acabou. Igual. Se sempre acaba, por quê começar?

Pode parecer ingenuidade, aos trinta e três anos ainda acreditar na utopia da felicidade senão plena, ao menos perene, mas eu sou assim, e justamente nessa idade fica complicado mudar nossa natureza mais enraizada. Sou possivelmente um tolo, adepto do "Filtro Solar" na voz do Pedro Bial, na verdade uma bela peça de propaganda enganosa. Se eu estivesse narrando no lugar dele, e pudesse dar uma só dica para o futuro além do filtro solar, seria essa: não compre passagens aéreas em 10 vezes.

O futuro nunca é certo, apesar da morte. Percebo cada vez de forma mais clara que o correto é viver o hoje, nunca o amanhã... mas... e o sonho?

Eu vivo de sonhar... talvez seja impossível para mim, conseguir pragmatizar assim a vida e seguir tranquilo, apenas contando com as próximas horas, afinal, como diria meu pai, "amanhã eu nem sei se vou estar vivo".

Será? Vou tentar parar de sonhar. Vamos ver se eu consigo.


(Just a Man - Faith no More, 1995)
"O homem nasceu para amar
Embora às vezes procure
Como Ícaro, voar mais alto.
E longe, mais solitário do que deveria
Para beijar o sol de leste a oeste
E erguer o mundo até seu limite
E agüentar o terrível poder
Com o qual só os deuses são abençoados
Mas eu, sou só um homem

E toda noite fecho meus olhos
Então não preciso ver a luz
Brilhando tão clara
Eu sonharei com um céu nublado.

E toda noite fecho meus olhos
Mas agora eu os tenho bem abertos
Você caiu em minhas mãos
E agora está me queimando"

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quarta-feira, junho 09, 2010

32 anos

Acordei no dia de meu aniversário, por volta das 10hs da manhã (era feriado, ufa!), pois às 11hs iria buscar Manuela para passar o dia comigo.

Olho em meu celular, e vejo a seguinte mensagem, enviada às 02:30 da madrugada:

"Parabens Fernando espero que seus 32 anos sejam mais limpos, você é um porco sinico (sic) e doente, nao merece nada, vai definhar na sua culpa, nunca vai ter paz, nunca vai dormir em paz pois é um merda infeliz que vive uma felicidade falsa criada e superficial e é por isso que esta tao podre por dentro que o cheiro sai da sua boca nojenta ta cada dia mais podre voce pode estar rodeado de gente saindo com mil menininhas mas nunca esteve tao sozinho e pode ter certeza que essa solidao vai te consumir voce é um fracassado que nao sabe ser feliz, Feliz aniversario"

Nem liguei, pois é uma constante na minha vida. Tomei uma ducha, e fui buscar minha baixinha linda, meu motivo de viver.

Chegando lá, enquanto colocava uma roupa linda em minha filha, para passar o dia comigo, vem uma pessoa por trás e me cospe na nuca. Eu ri, pois esse tipo de coisa é uma constante em minha vida. Apenas falei: "que triste isso..."

Saindo de casa, com minha filha no colo, vem uma pessoa e me dá um soco nas costas. Mas como isso é uma constante em minha vida, continuei meu rumo... apenas comentei: "que deprimente.."

Imagine se você está dentro do seu carro, com sua filha na cadeirinha, no banco de trás... de repente alguém vem e joga uma pedra no vidro traseiro!! Foi o que aconteceu.

Assim foram as primeiras horas do meu aniversário. Mas sinceramente, começo a me acostumar... passei os ultimos dois anos assim.. todos os dias.. uns mais, outros menos.. mas a cada dia era esse tipo de coisa que acontecia. Antes, durante e depois.

Acontece que agora, isso são apenas momentos... pílulas... depois disso tudo, passei um dia incrível com minha filha. O sorriso dela, o amor que sentimos um pelo outro, vale qualquer preço. Recebi família, os melhores amigos, muitas energias positivas, muita alegria, mesmo! E é isso que importa.

O resto, não vale a pena.... vai definhar... aliás, já está.


PS.: dois dias depois, chego na minha casa e um quadro que tinha, de estimação, e que pode valer uma boa grana, estava assim:

quinta-feira, junho 04, 2009

31 anos

Um ano passa voando, dizem. E se dizem, é porque deve ser verdade. Se bem que dizem por aí um tanto de bobagens...

Passou voando, ao mesmo tempo que passou lentamente, quase que sofrido. Paradoxal? Claro. Quando um geminiano com ascendente em gêmeos não o é?

Tento explicar. Quando penso que há um ano escrevia aquilo tudo que vocês leram nos meus trinta, chego ao lugar comum: parece que foi ontem. Agora, quando penso no que aconteceu com minha vida desde então, percebo que poderia muito bem ter feito em dez anos, não em um. Mas, como eu sou, jamais deixarei de ser. Intempestivo, inconsequente, impetuoso, intenso, inesperado, mas nem sempre inteligente.

Não estou reclamando, muito menos fazendo autocrítica. Apenas relatando meu jeito, a intensidade com que levo minha vida adiante, sem pensar ou olhar para trás. Meu egoísmo foi ludibriado pela mágica. A mágica se mostrou real, ou seja, não existe mágica, e sim ilusão. Mas uma mágica nada ilusória, grande sonho da minha vida, tornou-se fato: serei pai em breve.

Uma menina linda. A primeira mulher da minha vida, depois de minha mãe, que posso dizer com todas as letras: inquestionável. Beijei, namorei, casei com direito a lua de mel e aliança tatuada no braço, 'engravidei'. Em três meses. Faltam dois para a bela Manuela nascer e trazer luz à minha vida.

Coisas do passado, que surgem mesmo quando nós não olhamos para trás. Destino? Talvez. Não faltaram dificuldades, imagine, fazer em meses o que tantas pessoas planejam durante anos... rápido, rasteiro, tiro certeiro. Nunca subi tão alto, mas também nunca caí e me machuquei como dessa vez. Só que o motivo foi nobre, justo, e cá estou.

A maturidade existe, chega mesmo quando você não a almeja, mas aceitar as mudanças que ela traz pode ser um tanto complicado. A verdade é que tudo vem para somar, para nosso aprendizado, para que, se não pudermos evitar novas quedas, ao menos temos bagagem suficiente para colocar um colchão e nos machucar menos.

Eu teria um tanto de coisas a falar, a explicar, neste ano. Mas hoje nada me vem à cabeça a não ser ela, Manuela. Deixa o resto para depois. Daqui um ano, quem sabe, eu não esteja tão babão e possa contar mais detalhes. Só espero que isso aqui não vire um livro infantil. Porque tenho total inclinação a não ter mais vida própria, e viver a vida dela, Manuela.

quarta-feira, junho 04, 2008

30 anos

Vinha pensando no que escrever. Imaginei que, de agora em diante, passadas as questões mais existenciais, deveria criar uma fórmula para que estes capítulos (já que imagino um livro no final desta jornada) tenham sustentação literária. Grande bobagem. Não pretendo ter uma obra-prima, e sim um relato de minha vida até o final.

Mas por outro lado penso que tudo isso pode acabar parecendo um simples diário juvenil, isso se eu me ater simplesmente a contar o que aconteceu no último ano. Claro que não posso deixar de dizer coisas importantes, como minha separação, a guinada (para melhor) sofrida em minha vida profissional, o início das gravações de meu antigo, porém ainda atual, projeto musical, mas também devo analisá-las e deixar alguma dica, ensinamento, para quem lê. E também conta o fato de que, por definição artística estipulada por mim, estes capítulos de minha vida devem ser escritos no dia de meu aniversário, sem revisões ou lapidações na forma. Ou seja, tenho que escrever tudo, rapidamente, e publicar. Pode ser um ponto negativo para formatar o conjunto todo depois, mas foi o critério que adotei. Senão, ao meu ver, soaria falso. Então é isso, segue assim e seja o que Deus quiser!

Sim, me separei após poucos meses. Tão rápido quanto me casei. Creio que tenha sido este o problema, a pressa de viver. Não vou lembrá-los agora da minha difícil relação com a morte, mas é fato que isso influencia no fato de eu ser um cara apressado. Sim, eu estava cansado. Mas não para dizer que não acreditava mais. Talvez eu volte, um dia eu volto quem sabe.

Outro amigo faleceu, com minha nova idade. Tão fugaz a doença o acometeu, em poucos dias a vida se foi. Penso que, se não vivermos plenamente todos os dias, podemos nos arrepender depois. Isso, claro, se houver o depois. Então resolvi que tudo o que me incomoda e que não quero levar adiante será deixado para trás, ou de lado. Minha vida profissional estava estagnada e não permitia avanços nas áreas que realmente me interessam. Como tudo em minha vida, a sorte ajudou para que mudasse os rumos. Mantenho meu trabalho principal, mas agora tenho outras frentes que me permitem ter tempo, saúde, cabeça, para todo o resto, para o que me emociona.

A saúde... vai bem, para um sedentário fumante de trinta anos. Ou seja, vai bem, mas vai mal e poderia melhorar um tanto. Os problemas do ano passado parecem controlados, e para não ter surpresas eu nem ligo em me submeter a enfiarem um cano com uma pequena câmera pelo rabo a cada ano que passa. Assim meu médico se certifica que não há novos tumores e eu me certifico que não morrerei pelo intestino (ou pela boca?). Mas logicamente este susto foi um fator preponderante para que eu lutasse mais pelos meus ideais de vida.

Me tornei então egoísta. Não me gabo disso, mas é a realidade. E não tenho mais tanta pressa em viver tudo o que pretendo, agora eu espero a mágica da vida aparecer e me mostrar o caminho. Não fico parado, fico é atento às oportunidades que surgem, depois de muito trabalho. Então, se amanhã alguma destas aparecer, vou agarrar. Se for para me casar novamente, com minha amada ex ou com uma nova mulher, que seja de caso pensado e que haja esta mágica tão importante para românticos como eu.

Quanto aos trinta anos? Não sei bem o que dizer. Em princípio, poderia dizer que não muda nada, que é apenas mais uma passagem. Obviamente não acordei hoje diferente, mais responsável do que sou, mais adulto. Mas trata-se de uma efeméride importante, a passagem simbólica, de uma vez por todas, para a vida adulta. Na verdade, é a hora de colher o que plantamos durante a infância, adolescência, juventude. Somos formados, dificilmente mudamos de opinião, temos nosso caráter estabelecido. Ou seja, talvez eu sempre tenha sido um tanto egoísta mesmo... talvez. Mas agora pelo menos admito.


links úteis:
27 anos (aqui)
28 anos (aqui)
29 anos (aqui)

segunda-feira, junho 04, 2007

29 anos

Há três meses exatos eu estava pensando neste dia. Imaginando o que teria para contar, escrever. Estava livre da morte, por enquanto, livre das confusões mentais, por enquanto, livre para amar e ser amado pela mulher amada, parafraseando minhas próprias poesias. Mudanças? De casa, de estado civil não-oficial, de projeto musical, de rumo profissional, várias. Vontade de mudar mais? Muita. Possibilidade de mudar mais? Remota.

Mas há três meses eu me senti mal. Tive hemorragias e fiquei anêmico. Fiz exames. De repente, uma certeza ruiu. Somos frágeis, falíveis. Descobri um tumor no intestino, um bolo de células que se reproduziam desordenadamente, um caminho para ter um câncer aos trinta e um, trinta e dois anos. Um soco direto no meu queixo. Segundo os médicos e minha consciência, foi um golpe de sorte. Não descoberto o problema a tempo, seria muito pior. Mas foi algo que me fez repensar sobre o tempo que perco em minha curta vida com coisas pequenas, o tempo que gasto trabalhando em coisas que não me dão prazer, o tempo que estou perdendo adiando sonhos e projetos pessoais por medo, preguiça, falta de conversa, inércia, inanição. Pelo menos neste período eu plantei uma árvore.

Sou um poeta médio, um bom escritor, um músico fraco, um bom cantor. São as artes que me dão prazer. É este o mundo ao qual pertenço, mesmo insistindo em fugir do mesmo, fingir que não é comigo, pensar com a cabeça e não com o coração. Eu era um conquistador barato, mas depois de redescobrir o amor passei a nem me dar ao luxo deste prazer mundano. O amor... este me deu grandes alegrias. Mais até do que angústias, embora estas tenham sido uma constante na batalha que travei ao me dar o direito de seguir em frente. Passei por cima de valores, de vontades, do meu cérebro difícil, em prol de uma vida feliz. Feliz, sim.

Todos sabemos que o casamento não é um mar de rosas. Vou parafrasear agora uma música minha, quando disser que ao menos existem as margaridas. Há desavenças, diferenças, mas creio que isso seja o que nos fortalece. Já desisti de muitos amores por menos. Hoje me considero mais apto a persistir, insistir, tentar. Tentar de novo, de novo, de novo, mais uma vez (agora citando Tim Maia). Vale dizer aqui o quanto amo minha mulher, o quanto torço e luto para estar e permanecer com ela pelo resto de minha vida.

Foi um ano em que ganhei e perdi alguns bons amigos. Alguns mostraram ser menos amigos do que imaginava, me decepcionei com gente muito querida na minha vida, mas ao mesmo tempo ganhei outros que imagino que possam permanecer comigo até o fim. Ganhei uma nova família, estreitei meus laços com a minha, ampliando horizontes, sempre. É interessante notar que aqueles amigos de sempre, aqueles que podemos ficar distantes por anos que quando nos encontrarmos seremos exatamente iguais um com o outro, permanecem.

Bem, mas já que a morte me assustou de novo, voltei a pensar nela. E por pura coincidência, ontem mesmo, restando poucas horas para completar estes vinte e nove anos, assisti a um filme em que ela era a personagem principal. Ela mesma, a dama da noite, a fatal, a única certeza que temos na vida. Eu já sabia, mas relembrei, o peso da alma. Quando fui me preparar para dormir, olhei o relógio. Era o primeiro minuto do dia quatro de junho de dois mil e sete. E minha alma, meus vinte e um gramas, ainda estavam lá. Na minha cama, havia outros vinte e um gramas dormindo. Estes quarenta e dois gramas que deverão seguir juntos até que desencarnem e novamente se encontrem em um plano superior.

Agora, sigo com fé aos trinta.

segunda-feira, junho 05, 2006

28 anos

Como podem perceber, não morri aos vinte e sete anos, o que pode ser considerado um alívio. Não que eu pensasse que realmente morreria com esta idade, muito menos que eu desejasse isso para mim. Afinal, quem desejaria? Eu poderia agora continuar, elencar algumas celebridades que faleceram aos vinte e oito, mas esta idade agora não tem o status que têm os vinte e sete no mundo artístico. Em uma pesquisa rápida pode-se encontrar famosos que morreram após completarem vinte e oito, mas incrivelmente não são tantos como os mortos aos vinte e sete. E pode-se perceber também que não eram tão emblemáticos, ou mesmo ícones, no rock e na pop-art.

Por exemplo, o vocalista da banda Blind Melon, uma das famosas bandas-de-uma-só-música, Shannon Hoon, foi encontrado morto com esta idade dentro do ônibus da banda em New Orleans, a cidade dos meus sonhos, por overdose. Deixou uma filha de apenas três meses, o que ainda não tenho. Um ícone do jazz, Bix Beiderbecke, também morreu aos vinte e oito. Perceba que não se comparam aos Jim Morrissons, Jimi Hendrixes, Kurt Cobains e Janis Joplins elencados no texto que deu início a este blog. Sem querer equiparar a vida de cada um de nós, que é importante por si só. Digo isto no sentido do texto dos vinte e sete. Brandon Lee, filho de Bruce Lee, morreu com minha nova idade no set de filmagem de um de seus filmes. Estava prestes a se casar, coisa que também ainda não fiz. E nesta época de pseudo-celebridades, de glamourização do crime, por que não citar a morte de Bemtevi, chefe do tráfico da Rocinha morto há poucos meses aos vinte e oito anos? Porque este texto não se trata de um simples obituário, e não quero misturar as coisas. Além disso, criminosos como ele só passam dos trinta quando têm a sorte de ser presos. E se for começar a contar sobre mortes de pessoas célebres, de sucesso, entro em um campo perigoso. Perigoso como o campo de futebol em que entrou, aos vinte e oito anos, o atacante camaronês Marc-Vivien Foé, do qual saiu morto aos vinte e sete (vejam só!) minutos do segundo tempo de uma partida contra a Colômbia. Sua mulher e filho estavam no estádio e como já disse não tenho esposa nem filhos, ainda.

Não, não vou entrar nessa. Vou usar este espaço para análises e considerações sobre a vida. Chega de morte. Chegou a hora de enaltecer uma característica importante dela. O melhor da morte é esperar por ela, ou seja, viver. E tenho uma vida excepcional. Vou divagar então sobre o quanto e como pode-se mudar os rumos da vida no curto espaço de um ano. Embora eu tenha dito que não poderia fazer nem metade das coisas que ainda não havia feito durante meus vinte e sete, percebo que pude fazer muito, mesmo com o tempo passando cada vez mais rápido. Este é outro fator interessante da vida. Já perceberam que um ano hoje passa muito mais depressa do que quando éramos crianças?

Neste intervalo, algumas certezas caíram por terra, outras se tornaram mais certas. Fatos aconteceram como previsto, outros rumaram para um caminho completamente diferente. A carreira continua um sucesso sem volta. A não ser que eu desista e parta para um outro desafio, uma idéia cada vez mais forte na minha cabeça. Aquele amor arrebatador foi arrebatado por outro ainda mais atordoante. Percebi que aquele era uma fantasia, enquanto o atual é realidade. E como foi bom me dar o direito de mudar. A felicidade pede coragem, e minha coragem me tornou um homem muito mais feliz. Meu projeto musical foi engavetado por outro. Quase sem querer, retomei minha antiga banda e fizemos em poucos meses algo melhor do que fizemos em seis anos na primeira etapa. Sem pretensão, muito menos pressão. Meu livro, por incrível que pareça, cresceu apenas dois capítulos. Mas o início deste blog, também quase sem querer, me fez terminar um outro livro. Este texto fecha o projeto, e dá início a outro. Deixo pronto o livro 'Contos da morte - um sentido para a vida', e passarei a escrever um texto para cada ano de minha vida. Quando morrer, agora espero que aos oitenta e muitos, deixo em testamento que o conjunto deverá ser entregue a alguém que se interesse por publicá-lo.

Em resumo, o ano foi ótimo. Continuo com os mesmos valores de 365 dias atrás. Uma família maravilhosa e amigos para toda a vida, como pude perceber durante as comemorações. Meu novo amor, que seja eterno, me traz a certeza de que meus planos serão concretizados. Tudo lindo, com um único porém. Perdi neste intervalo outro bom amigo e irmão por criação. Primeiramente, há seis anos, perdemos o Fabrício. Agora, no início deste, Murilo. Este texto é para vocês, aonde quer que estejam, ainda nos encontraremos. Me esperem que chego daqui uns sessenta anos para contar as novas. Rumo aos vinte e nove.

sexta-feira, junho 03, 2005

27 anos

Não queria morrer aos vinte e sete anos. Se eu ainda tivesse cumprido com meu principal objetivo desde os quinze, ainda poderia aceitar. Mas não sou o músico respeitado que gostaria e poderia ter sido, não fosse esta uma carreira que requer muito mais esforço do que realmente fiz e muito mais sorte do que tive (tenho muita sorte no jogo e no amor, mas não foram transmitidas para minha carreira profissional.. nesta eu me esforço mesmo). Se eu tivesse atingido este objetivo, eu poderia pelo menos morrer aos vinte e sete, pois uma boa parte de meus maiores ídolos na música morreram ou se fizeram morrer com esta idade. É como um carma. Eu morreria feliz.

Acho que esta história de morrer aos vinte e sete começou com o impressionante Robert Johnson. Um músico do Mississipi que surgiu do nada, reinventando o blues com harmonias complexas e novos acordes. Segundo a lenda, Johnson teria feito um acordo faustiano com o Diabo, dando-lhe sua alma em troca de um talento musical "diabólico", com o qual poderia expressar seu sofrimento por ser negro, pobre e caipira no início do século XX. O mito foi corroborado pelo próprio músico, que relatou em muitas de suas músicas seu encontro com o tinhoso. Uma de suas canções, crossroads, ou encruzilhada, tornou-se tema de um filme baseado na lenda Robert Johnson. Sim, ele faleceu com esta idade, possivelmente envenenado por um marido ciumento.

Este número de anos é desde então considerado o limite máximo de sobrevivência de músicos ou artistas de grande repercussão, que supostamente seriam "coisas do demo". Noel Rosa morreu aos vinte e sete, assim como Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison e Kurt Cobain. Estes quatro últimos, nossa, são meus grandes ídolos. Mas morrer com a mesma idade deles não me faria um cara tão excelente quanto. Por isso prefiro viver bastante, nessa vidinha maravilhosa que Deus me deu.

Outros artistas morreram com a idade indesejada, mas não são para mim tão importantes. Basquiat, Brian Jones... o mais interessante é que nem todos se mataram, ou morreram por consequência de overdoses. Leila Diniz, por exemplo, faleceu em um acidente aéreo. Inclusive, estava escrevendo anotações em seu diário na hora da fatalidade: "está acontecendo alguma coisa muito es....". Brian Jones, guitarrista dos Rolling Stones, afogou-se na piscina de sua casa. Hendrix morreu sufocado pelo próprio vômito. Cobain deu um tiro na cabeça, possivelmente devido a alguma alucinação de sua mente doentia, destruída pela heroína. A droga, aliás, é causa de muitas outras mortes aos vinte e sete, como as de Basquiat e Morrison, que apesar de a causa oficial ser um ataque cardíaco, teria supostamente inalado heroína pensando tratar-se de cocaína.

Uma música de Johnson, chamada "They're red hot', foi inspiração para o nome de outra banda que admiro muito. Os Red Hot Chili Peppers, que tinham inicialmente um guitarrista chamado Hillel Slovak. A canção foi regravada em homenagem à morte dele, porém ele 'errou' os cálculos. Faleceu aos vinte e seis. Heroína.

Até mesmo a suposta morte de Paul McCartney teria sido aos vinte e sete. O boato diz que o baxista, letrista e vocalista dos Beatles teria morrido em um acidente, e que fora rapidamente substituído por um sósia. Lennon, inconformado, teria criado provas de que Paul estaria morto. Há um disco que, se rodado ao contrário, ouve-se a frase "Paul is dead". Capas de discos também teriam sido utilizadas para provar a fraude, como a do famoso Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, onde as flores em forma de contrabaixo seriam uma dica. Em Abbey Road, os quatro músicos atravessam uma rua em fila, como num funeral. Paul é o único descalço, que caminha com os pés trocados. Há um carro fúnebre estacionado de um lado da rua, e do outro, um fusca (Beatle) branco tem a placa "28 IF, que traduzido significa "vinte e oito se". Ou seja, Paul, que morreu aos vinte e sete, teria vinte e oito na época do lançamento do álbum.

Por mais mórbido que possa parecer este texto, para mim apenas significa que realmente não quero morrer nos próximos 365 dias. Nem nos próximos 50 anos. Tenho uma família especial, um pai que é um ídolo, uma mãe que é uma santa, um irmão que é com certeza meu melhor amigo, e duas irmãs que completam maravilhosamente o grupo. Tenho Maria, um amor arrebatador, pelo qual cometo qualquer tipo de loucura. E tenho a mim, um cara que gosto muito, embora tenha minhas críticas. Uma carreira brilhante a seguir, um futuro promissor ao lado destes e de todas as pessoas a quem considero muito. Não vou citá-las aqui, este texto é breve, não um épico. Ah, tenho também o meu romance, empacado no quarto capítulo há meses! E meu novo projeto musical, pronto e esperando para ser gravado.

Tenho muito a fazer ainda, receio não conseguir dentro do curto prazo de um ano. Ainda não tive um filho, nem plantei uma árvore, e como disse estou longe de terminar meu livro. Mas este fica como documento. Imagina se eu realmente morrer? Ia ser uma coincidência e tanto, não acham?