More seriously I took things, the harder the rules became"
(A tout le monde, Megadeth)
Não parece que foi ontem. De tanta coisa que acontece simultaneamente, tanto a fazer diariamente, descrevo esse último ano com uma semana de atraso, dentro de um avião, viajando para mais um compromisso profissional, em pleno sábado. A vida nunca esteve tão corrida.
Aos 38 anos geralmente estamos no nível máximo, no auge de atividades, diárias, constantes. Geralmente temos um ou mais filhos pequenos, um casamento já por volta de completar uma década ou, como no meu caso, estar no início do terceiro. O trabalho te consome, guardar dinheiro para a velhice é começar agora ou nunca mais. As exigências são 24/7. Você até pede arrego, mas não arrega. Adoraria estar numa ilha deserta, ou milionário, ou, tudo bem vai, ao menos ter 30 dias de férias por ano.
O processo que já vinha percebendo há alguns anos se consolidou. Consigo me olhar no espelho e ver um tiozinho, apesar da alma jovem e de não largar jamais os hábitos de sempre. Sair, encontrar amigos, se entorpecer de risadas, voltar de madrugada, dormir pouco, ajuda tanto a manter a juventude como a apressar o envelhecimento. Mente sã, corpo não.
"Everytime that I look in the mirror
All these lines in my face getting clearer
The past is gone
I went by like dusk to dawn
Isn't that the way?
Everybody got their dues in life to pay
I know nobody knows
Where it comes and where it goes
I know it's everybody sin
You got to lose to know how to win"
(Dream on, Aerosmith)
Logo no início deste ciclo recém passado, dos baques, o maior de todos. Como na música dos Arctic Monkeys, poderiam ter me avisado: "don't sit down cause I moved your chair". Pela primeira vez duvidei de verdade de que fazer as coisas certas, ser correto com as pessoas que ama, é garantia de não quebrar a cara. Mas dado meu histórico de lutas, junto à maturidade que toda essa trajetória me trouxe, consegui respirar. Fundo. E seguir.
"You spurn my natural emotions,
Made me feel like dirt and i'm hurt.
If I start a commotion,
I run the risk of loosing you
And that's worst"
(Ever fallen in love, Buzzcocks)
Creio que seja o primeiro ano da minha meia vida em que mais perdi amigos do que fiz novos. Talvez a idade venha me trazendo um complexo movimento de mudança, no qual deixo um pouco a diplomacia de lado para exercitar certos sincericídios. A maturidade também nos mostra que por algumas coisas não vale a pena lutar. Que algumas pessoas perdem mesmo a sinergia contigo ao longo do tempo. E em momentos como o atual, de grande depressão econômica, polarização política e partidarização de sentimentos, esse é um processo natural.
O que não é natural, ou ao menos o difícil de aceitar é a perda de laços com pessoas que fizeram parte da sua vida desde sempre. Um processo doloroso, constante, uma quase morte que a frieza dos tempos nos faz minimizar, mas que sempre nos assombra. Mas o "quase", e não realmente "morte", mantém uma chama acesa e uma possibilidade de futuro.
Outro dia estava conversando com minha mulher sobre meu otimismo. Se eu posso mudar, por que não acreditar que os outros também possam? Ao me negar essa possibilidade, nem percebeu o quanto ela própria vem mudando para que nossa vida faça cada vez mais sentido. Em um esforço coletivo, tanto nosso como familiar, vamos colocando cada pingo no seu respectivo "i", num lento processo de estabilização.
Agora, fato que eu nasci com algum ponto do meu mapa astral configurado para a manutenção constante de surpresas desagradáveis, de mínimos fatos que se tornam gigantes, de ter que me acostumar com esse carma. É uma luta diária para entender que, na minha vida, estabilidade é apenas uma utopia. Os conflitos vêm e vão, constantemente. Ou me adapto, ou fujo. Mas fugir dos que amo não está em meus planos.
"Everyone has been burned before
Everybody knows the pain"
(The only one I know, The Charlatans)
Às vezes eu queria ser menos civilizado. Tocar um foda-se e sumir por uns dias. Pagar de Michael Douglas em um dia de fúria. Encarnar um Lou Reed e dar uma volta no lado selvagem. Responder uma agressão com outra pior. Mas não faz parte da minha alma. Esse ponto não foi contemplado no meu mapa astral, o carma é justamente suportar e buscar passar para as pessoas ao meu redor que tudo é possível, que a boa vontade sempre pode vencer, mas que as vezes é importante engolir um sapo para poder arrotar flores mais adiante.
Tão complicado quanto tomar porrada sem revidar, é doar sem receber. Minha filha, do alto de seus quase sete anos, outro dia disse uma frase que ficou em minha cabeça: "Carinho é a coisa mais suave que se pode fazer no corpo". Ocasionalmente sinto falta dessa suavidade, de ser aquele que é cuidado, deixar de ser sempre o que cuida. Um carinho, um colo, às vezes cai bem. Difícil obter isso quando me posiciono como arrimo, como o forte, o que tudo suporta. Mas sinto agora ter essa contrapartida mais próxima, em minha nova vida, em nossa nova casa. Eu chego lá.
"When your day is long, and the night .. The night is yours alone.
If you're sure you've had enough of this life... Well hang on.
Don't let yourself go, 'cause everybody cries and everybody hurts, sometimes"
(Everybody Hurts, R.E.M)
Mudanças são bem vindas, e nesse ano mudei muito. Fisicamente, saí de uma casa que morava eu, eu mesmo, e Manuela. Agora viramos uma verdadeira família buscapé. Relacionar-se diariamente com outros, pessoas com idades, trajetórias e experiências distintas, imprimir um novo conceito de vida, é realizar uma verdadeira mudança mental e manter um debate interno constante entre o que realmente é imprescindível e o que é perfeitamente adaptável. Enxergar nas pessoas ao meu redor essa capacidade de adaptação é lindo, gratificante.
Nesses últimos dias, na semana de meu aniversário, uma leveza tomou conta de meu corpo e mente. Muitas coisas emperradas começaram a dar certo. Pude me sentir um pouco mais acolhido, menos sozinho. Parece, enfim, que passei por um inferno astral nos últimos 10 anos. Ao reler meus textos passados percebo que tudo foi um aprendizado. Que os frutos estão aí. Principalmente ela, Luciana, minha mulher. Que me faz aprender a cada dia, o verdadeiro valor do amor. Passar anos buscando um ideal me trouxe até aqui, para um amor perfeito de tão imperfeito. Dois indivíduos com tanto em comum e tantas diferenças. Com tanta bagagem e com muitos dissabores passados. Encontramos um no outro a oportunidade de corrigir erros, de amar profundamente, e fazer, juntos, absolutamente tudo que quisermos. A liberdade está na cumplicidade.
"Perdi a hora de voltar para o trabalho. Voltei pra casa e disse adeus pra tudo que conquistei, mil coisas eu deixei, só pra te falar
Largo tudo, se a gente se casar domingo, na praia, no sol no mar
Ou num navio a navegar, um avião a decolar
Indo sem data pra voltar, toda de branco no altar
Quem vai sorrir? Quem vai chorar?
Ave Maria sei que há uma história pra sonhar. Pra sonhar"
(Pra sonhar, Marcelo Jeneci)
Daqui a um ano iremos nos casar. Em meus três casamentos, incluindo esse atual, não houve cerimônia. Embora para mim o fato de estabelecer uma vida conjunta e dividir um teto seja efetivamente um casamento, nunca tive a experiência de passar pelo rito, de reunir família e amigos para um momento de passagem, que todos levarão na memória, e que sim, fortalece o compromisso. Minha alma gêmea de gêmeos com gêmeos irá entrar, minha pedra preciosa irá trazer as alianças, e exatamente um dia antes de escrever o próximo texto desse anuário, irei ter todos que fazem parte dessas linhas juntos, ao meu redor. É ou não um privilégio?
O melhor de mim ainda é conseguir seguir o fluxo da vida, com um sorriso no rosto, encarar o futuro de frente, deixando para trás tudo que trouxer dor.
I want something good to die for
To make it beautiful to live (...)
I can go, with the flow...
(Go with the flow, Queens of the Stone Age)